18/02/2010

Esporte de rico?

Modernização do futebol é inevitável, mas pode levar à elitização.
Não é de hoje que o futebol deixou de ser apenas um divertimento de final de semana e passou a ser um espetáculo sofisticado e envolto em grandes interesses comerciais, com estádios cada vez mais requintados e elitizados. Assim, a transformação das arenas é uma realidade mundial que inevitavelmente chegaria ao Brasil, e a vinda da Copa do Mundo para o país em 2014 é a ferramenta que faltava para acelerar esse processo.
Processo caro, diga-se, e que precisa ser autossuficiente para evoluir financeiramente e permitir a sobrevivência dos clubes e campeonatos. “Uma Copa do Mundo não se faz somente com paixão, com manifestações meramente populistas", alerta Nélson José Ribeiro, economista paranaense. "Requer planejamento, modernização dos estádios e da infraestrutura. Por isso o produto precisa ser vendido considerando o valor que representa.”
O futebol tornou-se um negócio lucrativo, tanto nos valores de negociação dos atletas e na arrecadação dos jogos, como na publicidade com os patrocinadores e também na alta rentabilidade obtida pela transmissão dos jogos na televisão. De acordo com o pesquisador Luiz Carlos Ribeiro, coordenador do Núcleo de Estudos Futebol e Sociedade da Universidade Federal do Paraná, “o futebol enquanto produto de mercado de alto valor não se destina apenas a torcedores apaixonados, mas a consumidores”. E tudo isso tem um custo financeiro, que é transferido para o usuário desse bem (ou serviço), o torcedor.
Segundo Paulo Verardi, diretor de marketing do Clube Atlético Paranaense (CAP), cujo estádio, a Arena da Baixada, foi escolhido para os jogos da Copa em Curitiba, a saúde financeira dos clubes e entidades é uma exigência do torcedor. “Cabe aos grandes clubes viabilizar permanentemente acessibilidade e interatividade com sua torcida, com o claro objetivo de penetração, fidelização e, por conseguinte, valorização da marca do clube”, defende o dirigente.
Elitização?
Essa visão empresariada do futebol foi alvo de debates no 2º fórum Time de Arquitetos da Copa, realizado em 2009, em Salvador. No encontro, um dos arquitetos defendeu a visão de que o futebol brasileiro deverá passar por um processo de elitização, com ingressos cada vez mais caros e instalações progressivamente mais sofisticadas, como ocorre na Europa. "O torcedor de baixa renda vai assistir aos jogos pela televisão", sentenciou.
Seguiram-se minutos e minutos de debates sobre o papel do futebol entre as classes de baixa renda e seu direito de participar diretamente do espetáculo, ao vivo. Por fim, concluiu-se que sempre deverá haver uma parte da arquibancada com ingressos mais baratos, destinados ao público de menor renda.
“Ainda não é possível avaliar se a modernização dos estádios irá excluir ou não determinado público. Porém, no futebol, também é necessária e mandatória a recuperação do investimento, como ocorre em qualquer atividade ou segmento, e isso exigirá esforços econômicos maiores ou menores, dependendo do poder aquisitivo do cliente/torcedor”, afirma Verardi.
O Atlético possui 24 mil sócios ativos, que geram R$ 20 milhões anuais. O diretor de marketing ressalta que a próxima etapa a ser atingida é a busca de novas modalidades de associação ou interação com o clube.
O economista Nelson Ribeiro ressalta que essa nova realidade é percebida em grandes clubes da Europa e que, nas Américas, isso fica mais evidente em dois clubes, o River Plate, de Buenos Aires, e o Internacional de Porto Alegre. O time gaúcho ostenta o maior número de associados da América e está entre os dez maiores do mundo.
“Os mais de 103 mil sócios estão recebendo toda espécie de informação sobre o clube, uma demonstração de transparência nas negociações, e participam de promoções e eventos semanais, visitas ao clube, viagens com atletas e conversas com os dirigentes”, diz Ribeiro.
Mesmo adequando-se às inovações, o futebol brasileiro ainda está aquém das principais potências europeias. O Brasil é uma fábrica de talentos, que são negociados com valores cada vez mais altos para clubes com maior poder econômico. São estruturas já consolidadas com quadros associativos completos, jogos vendidos para vários países e contratos vantajosos para os jogadores. “Somente com adequação econômica o futebol brasileiro poderá começar a pensar em competir com esse mercado”, diz Ribeiro.