14/06/2010

Se o homem fosse Deus.

Toda vez que passo diante de uma Igreja, faço o Sinal da Cruz e elevo meu pensamento a Ele, agradecendo-O por tudo que me dá, embora eu não seja merecedor, e pedindo que Sua proteção recaia sobre mim e sobre meus familiares e amigos. O gesto rende o espanto de alguns. “Rafael, por que você se benze toda vez que passa na frente de uma Igreja?” “Ué? Eu me benzo, pois acredito em Deus e tenho para com Ele muito amor e gratidão!”. Mas o que, para mim, parece explicação muito natural, para muitos é algo ridículo, ou coisa de crente, ou coisa de velho ou coisa de ignorante.
Dia desses, alguém me admoestou: “Mas Deus não existe! Pra que fazer Sinal da Cruz, Rafael?”. Eu - perplexo com a observação desrespeitosa à minha fé, em particular, e à Fé geral, esta maior porque de todos - deixei consignado meu protesto: “E quem é você para me dizer que Deus não existe?”. A que ponto chegamos: criaturas duvidando do Criador, numa inversão de valores de fazer cair o queixo.
Deus está - ou deveria estar - acima de todas as coisas, pelo menos é o que eu penso. E por pensar em Deus todos os dias, flagrei-me a meditar acerca da Criação, aquela de que nos fala a Bíblia. Deus criou tudo que existe em seis dias e descansou no Sétimo Dia, isso em apertada síntese para que a coluna não vire Evangelho. E Ele fez tudo o que existe na Criação sozinho e eis que na Autoria Solitária do Universo é que se expressa grande parte da Sabedoria Divina. Deus criou tudo sozinho e fez um trabalho impecável, mas daí fiquei a imaginar se Ele, em vez de trabalhar solitariamente, tivesse em seu encalço um Conselho Deliberativo e outros tantos cornetas. De tanto imaginar, vieram-me à cabeça as situações insólitas que passo a narrar…
1º Dia da Criação: Deus trabalha. Seu Conselho Deliberativo e demais cornetas só observam. Depois de fazer a Luz e separar o Dia da Noite, Deus, num só fôlego, cria os mares, a baleia, as matas, a girafa, a cobra, a coruja e a Dercy Gonçalves. Trabalha à exaustão nesse Primeiro Dia. Os outros - Conselho Deliberativo e Cornetas - só observam. Só observam, não: observam, cochicham, franzem a testa, apontam o dedo e fazem caretas.
2º Dia da Criação: Deus acorda cedo, passa um cafezinho, liga o computador e se depara com um site criado para “avaliar” a Sua Obra (www.criacao.com). Perplexo, Ele se depara com colunistas que Lhe descascam em críticas:
“Olha, eu respeito muito Ele, tudo que ontem Ele fez, como criar o mar, mas a Baleia tá errada! A Baleia é gorda demais, tem dentes pequenos, a boca também não ficou essa maravilha toda. Sei não, mas a Baleia, do jeito que está, não tá legal!”;
“Pois é, Deus fez a Centopeia com várias pernas, mas a cobra Ele fez sem braços! A Girafa tem um pescoção, mas a Coruja nem sequer tem pescoço! Eu sei que Ele é Ele, mas Deus não é Dois!”.
3º Dia da Criação: Chateado, Ele olha para a Baleia e resolve – por influência da crítica – fazer algumas alterações. Diminui o corpo do avantajado cetáceo, bota-lhe dentes afiados e mexe na boca. Inventa com isso o Tubarão, que é uma espécie de Leão que nada e devora os banhistas!”
4º Dia da Criação: Deus acorda, passa o sagrado cafezinho (no caso dEle ainda mais sagrado), liga o computador e acessa www.criacao.com, para ler a repercussão do abrandamento da Baleia na figura do recém criado Tubarão. Perplexo, Ele se depara com colunistas que Lhe descascam em críticas:
“A emenda ficou pior do que o soneto. Ele, ao abrandar a Baleia – sem extingui-la, o que foi um rematado erro – criou o Tubarão, que é um ser muito sanguinolento, um autêntico Pitbull dos mares. Ele mandou mal, de novo!”.
5º Dia da Criação: De saco cheio e aterrado pelas críticas de seu Conselho Deliberativo, dos Cornetas de plantão e dos colunistas do www.criacao.com, Deus resolve reformar Suas criações, fazendo novos inventos. Pega a Centopeia e lhe retira as pernas, dando origem à Minhoca. Bota mãos e pernas nas Cobras e faz surgir a Sogra. Diminui o pescoço da Girafa e cria a Sílvia Pfeifer. Bota pescoço na Coruja e faz o Prefeito Kassab. Cansado, termina o dia e espera pela manhã seguinte.
6º Dia da Criação: Deus acorda e nem passa o sagrado cafezinho. Liga o computador e acessa www.criacao.com para ver se agora a Criação estava mais de acordo com o gosto dos críticos. Perplexo, lê que a Minhoca ficou mole demais e meio nojenta, que a Sílvia Pfeifer era magra e zoiúda, e que a Sogra - esta, sim, e somente ela – tinha ficado excelente, mas deveria se chamar Mãe! Brabo, mas muito brabo mesmo com as críticas dos que desciam a ripa e não botavam a mão na massa, Deus destituiu Seu Conselho Deliberativo, os Cornetas de Plantão, deletou o www.criacao.com, decretou que a Criação estava muito boa do jeito dEle, revogou as disposições contrárias, criou o Homem e a Mulher, Formigas, Pernilongos, o Gionédis, o Onaireves e outros seres inferiores da cadeia alimentar, passou Seu cafezinho, certificou que enfim a Criação estava joinha e encerrou o expediente.
7º Dia da Criação: Deus acorda, passa o cafezinho, não liga o computador (mas abre uma janela, do inglês “uindou”), contempla a Criação, descansa e se alegra por ver que o Projeto, na realidade, tinha ficado exatamente como Ele havia imaginado (principalmente depois de Ele ter dado um chega pra lá nos palpiteiros). E Deus, neste momento de contemplação, ficou imensamente feliz, criando – talvez até sem querer – o que chamamos de Sentimento de Dever Cumprido.

Morais da História:
1. Durante a verdadeira Criação, Deus só conseguiu fazer tudo o que quis e que era preciso fazer, pois não tinha Conselho Deliberativo para Lhe atrapalhar a vida, tampouco havia Cornetas de plantão para ensinar ao Criador como é que deveriam ser feitas as criações e criaturas. Deus só conseguiu fazer tudo o que quis e que era preciso fazer, pois não havia colunistas/cronistas/articulistas/imprensa marrom/imprensa verde a Lhe atazanar a vida com fórmulas/dicas/teses/saídas mirabolantes do tipo botar mãos e pés nas Cobras ou diminuir o pescoço da Girafa! E conseguiu fazer tudo porque Deus é Deus né? Ele está - ou deveria estar - acima de todas as coisas, pelo menos é o que penso.
2. Se o homem fosse Deus (pescaram?) seu projeto ficaria exatamente como ele imaginou. Mas entre o projeto de todo homem e sua realização tem tanta pedra que é capaz de o projeto não alcançar sua plenitude. É capaz de o projeto acabar transformado e tortuoso, como uma Centopeia que perdeu as pernas originais para virar minhoca. Ou como um estádio projetado/idealizado/sonhado para abrigar jogos de uma Copa do Mundo no Brasil, mas que acabou tendo de se contentar em abrigar jogos de Copa do Brasil. Se o homem fosse Deus, tudo seria possível. Acontece que o homem é apenas homem, sujeito a dúvidas, a erros, a acertos, sujeito ao Conselho Deliberativo e a todos os cornetas de plantão…