27/09/2009

A Copa de 2014 pode mudar o esporte no Brasil.

Álvaro Cotta, especialista em marketing esportivo dá dicas para o planejamento de 2014.
Diretor da Costa & Cotta Marketing Esportivo, ex-diretor de marketing de várias agremiações esportivas, o mineiro Álvaro Cotta vê a Copa de 2014 como uma oportunidade para o país fazer uma verdadeira revolução no mundo do esporte. Presente ao 2º Fórum do Time de Arquitetos da Copa, em Salvador, Cotta sensibilizou sua platéia com dados concretos sobre a renda de estádios, negócios gerados e comparações com o "business esportivo" em outros países. Nesta entrevista, Álvaro revela um pouco de sua experiência.
É possível fazer uma comparação do business esportivo no Brasil com os EUA e a Europa?
O mercado de negócios esportivos do EUA e Europa são amadurecidos e atingiram números expressivos quando comparados com a realidade brasileira. Apesar de o Brasil avançar rapidamente, sempre haverá uma diferença econômica devido ao mercado consumidor desses mercados e o brasileiro. Entretanto, as oportunidades no país são enormes no futebol e nos esportes olímpicos. Muitos eventos são criados anualmente para atender interesses dos grupos de mídia ou amantes das modalidades.
Um dos pontos fundamentais para a entrada de novas empresas no marketing esportivo é a contínua formação de novos profissionais qualificados na gestão dos esportes. Também não podemos esquecer do aprendizado do mercado publicitário sobre as ferramentas do marketing esportivo como "alavancagem" dos negócios corporativos.
A Copa de 2014 pode trazer melhorias na rentabilidade dos clubes e arenas esportivas do Brasil?
Essa é uma expectativa iminente dos dirigentes dos clubes de futebol no Brasil. Principalmente dos usuários das novas arenas e novos estádios. Acredito que haverá um grande potencial de crescimento e exploração das receitas provenientes dos match days. Porém há escassez de empresas e profissionais no mercado do futebol capazes de desenvolver estratégias e pacotes comerciais visando esse novo negócio no país. A demanda de empresas interessadas na concessão de alimentação, estacionamento, merchandising, mídia digital, ações promocionais, camarotes e área vip será melhor aproveitada pelos clubes preparados para esse cenário. Os projetos dos novos estádios precisam atender tanto as exigências da Fifa para a Copa do Mundo quanto a realidade dos clubes brasileiros para os próximos 30 anos. Mas será possível usar os novos estádios para shows e outros espetáculos, eventos religiosos, comércio e serviços.
Qual seria a rentabilidade dessas atividades?
A rentabilidade dos novos estádios será diretamente proporcional ao potencial do mercado local. Estádios com maior utilização para dias de futebol reduzirão a ociosidade, o que resultará em maior potencial de negócios. Por exemplo, o Mineirão atenderá Atlético e Cruzeiro. Em média, cada clube fazem 32 jogos por ano em casa.
No total, considerando que cada jogo demanda dois dias de preparação, serão 128 dias de futebol. Por outro lado, a Fonte Nova receberá previamente somente os jogos do Bahia. Isso aumentará significativamente a ociosidade do estádio.
Quanto aos shows e eventos, mercados com maior demanda para esses serviços podem conseguir lucratividade anual com os estádios.
Todavia, a maioria dos clubes não está atenta à manutenção dessas estruturas.
Cidades como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Salvador, Manaus e Natal, cujos estádios são públicos, sempre tiveram os custos de manutenção assumidos pelos órgãos públicos.
Após a Copa, uma nova realidade exigirá que os clubes preocupem com a gestão dos estádios e não somente com as receitas.
Vários estádios brasileiros podem mesmo tornar-se "elefantes brancos"..?
Esse é um ponto crítico dos investimentos para os estádios da Copa. As cidades sedes foram definidas e a participação dessas cidades na Copa é importante para o país. O potencial turístico e o desenvolvimento econômico dessas regiões serão potencializados.
Por isso, não podemos analisar isoladamente os recursos aplicados nas contruções dos estádios. O desafio dos governos, dos arquitetos, das construtoras e dos clubes será elaborar um projeto no qual atenda as necessidades dos jogos para a Copa e a realidade brasileira para os próximos 30 anos. Alguns estádios podem gerar prejuízos operacionais a partir de 2015. Essa perda tem que ser dimensionada.
Recife e Salvador têm um grande potencial financeiro, porém o governo e os clubes precisam trabalhar juntos nos projetos. Não podemos deixar que os fatores políticos e culturais (rivalidades) do futebol nessas cidades coloquem em risco a viabilidade econômica do projeto.
Não há razão para Recife e Salvador construir arenas modernas para uso de um clube somente.
Considerando as características do torcedor brasileiro e do produto futebol, os investimentos nos estádios não se justificam para atender apenas uma torcida. O futebol transformou-se em um grande negócio no mundo. No Brasil não pode ser diferente.
Como poderia ser equacionado o projeto comercial para as novas arenas?
Soluções como "naming rights", publicidade, fidelização de público e turismo em estádios podem ser fontes de recursos para os clubes do Brasil?
Antes do planejamento comercial e identificação das propriedades que os novos estádios oferecerão para os clube, os dirigentes precisam encontrar modelos econômicos de rentabilidade futura para essas arenas após a Copa.
Muitos clubes e dirigentes estão anciosos para receberem as novas receitas e investir os recursos nas contratações de atletas.
Entretanto, quem vai pagar a manutenção desses estádios. Os governos estão sustentando o futebol brasileiro a muitos anos.
Alguns clubes mais, outros menos. Agora chegou o momento dessa ruptura.
O recurso público nos novos estádios é necessário. Pode até ser compreensível dentro de um programa de desenvolvimento do país e do futebol a partir da Copa do Mundo. Mas o governo não pode continuar pagando os custos operacionais dos estádios.
Então, os clubes precisarão de profissionais na gestão dos estádios para que esse patrimônio seja valorizado.
"O potencial mercadológico do esporte é incalculável. E precisa ser mais debatido e estudado"
O que deve mudar para que o Brasil potencialize o marketing do futebol?
O potencial mercadológico do esporte (futebol e especializado) é incalculável. E precisa ser mais debatido e estudado.
O Brasil já entendeu que é preciso melhorar a gestão do esporte nacional. O esporte é um produto, um negócio, um entretenimento. O dilema está na busca das soluções.
Esse processo de mudança terá erros e acertos.
Filosofias e conceitos divergentes fortalecerão o debate. Mas um ponto fundamental para encontrar soluções com menores riscos está em um planejamento de médio e longo prazo. Para isso, é preciso informação.
E o Brasil tem pouca informação sobre a atividade esportiva.
Acredito que as grandes empresas estatais contribuiriam muito para o esporte nacional se decidisse investir em um grande estudo nacional do esporte, futebol e especializado. Através desse estudo, que precisa ser atualizado anualmente, os dirigentes das entidades esportivas e a população encontrariam caminhos para a definição de um modelo aprimorado para a gestão do esporte nacional.
Como os clubes e governantes poderiam fomentar a indústria cultural vinculada ao futebol e à Copa?Futebol é cultura. Faz parte da cultura brasileira durante 365 dias do ano.
Em média, 86% da população brasileira torce para um time de futebol. Futebol é paixão. E paixão traz emoção.
Há uma grande sinergia entre o futebol e a cultura. Infelizmente, o futebol não está preparado para explorar essa sinergia.
A gestão da maioria dos clubes está focada dentro das quatro linhas. Para mim, isso é um erro.
Pois somente um clube será campeão. E somente cinco chegam à Libertadores todo ano. Se continuarmos alimentando que o único objetivo dos grandes clubes é o título, fortaleceremos um comportamento de pensamento no curto prazo.
Hoje, um clube para ser campeão brasileiro precisa planejar e se preparar, dentro e fora de campo.
Pode levar três, quatro ou cinco anos. A nova realidade do futebol não permite que todos os clubes disputem títulos. E isso ainda não foi compreendido pelos dirigentes e pelos torcedores.
Anos atrás, as chances eram mais abrangentes.
A profissionalização aumentou a diferença entre os clubes.
A cultura pode contribuir com a valorização da marca do clube gerando novos negócios e receitas que reforçam o orçamento financeiro.